“[...] os humanos [...] parecem acreditar que o que os separa dos outros animais é sua habilidade de amar, sofrer, sentir culpa, pensar abstratamente et cetera. Estão enganados. O que os separa é seu talento para o masoquismo. É aí que reside seu poder. Ter prazer na dor, tirar forças na privação, isso é ser humano.” (Página 53)
Comecei a ler esse livro sem saber o que esperar. Achava que seria um DarkLove fofinho sobre o poder do amor dos animais e como eles são especiais na vida dos humanos. HÁ, sério... Quem poderia me culpar com uma capa dessas?
“Um sábio amigo
certa vez me disse que a bondade, assim como a crueldade, pode ser uma
expressão de dominação.” (Página 86)
Vamos começar com
um ponto que não é spoiler – e já vamos preparando o seu
coraçãozinho – uma vez que o sumário apresenta essa informação: todos os animais dos contos serão mortos.
Sim eu sei, a vida é dura e dói.
Outra utilidade
pública: neste livro há uma mensagem muito mais sensível, delicada e ao mesmo
tempo cruel, por detrás de cada um dos contos. A sutileza e a capacidade de
chocar desse livro torna praticamente impossível largá-lo, ao mesmo tempo que
ao final de cada conto você tem que respirar fundo e secar o suor dos olhos –
se é que vocês me entendem...
“Só os Animais Salvam” é o segundo livro da autora sul africana, Ceridwen Dovey e nele são apresentadas 10 fábulas
sobre as almas de 10 animais que foram pegos no fogo cruzado das incontáveis
guerras humanas (desde a Primeira Guerra Mundial até a Guerra Civil de
Moçambique). E em meio a toda a dor e sofrimento, encontraram inspiração e
esperança na centelha de amor pelos humanos, assim como por sua mais
significativa arte que transcende eras: a literatura.
“Você pode se
enganar a vida inteira, pensando não estar sozinho, mas saberá – saberá muito
claramente – quando estiver em sofrimento, à beira da morte. E se a uma pessoa
não é permitido, em momento de solidão, desenvolver os muitos recursos de sua
própria mente (intelectual, criativo, emocional, espiritual) para que possa se
reerguer por si, oferecer boa companhia a si mesma, experimentará a desolação
profunda de se ver alienada até do melhor de si. Nada pode ser mais desolador.”
(Página 121)
Com
narrativas que nos levam ao encontro de pessoas muito ligadas a literatura – e
que muitas vezes serviram de pilar para o que conhecemos hoje – como: Celine Collete,
Sylvia Plath, Alexandra Tolstaya (filha de ninguém menos que Liev Tolstói), Franz
Kafka, George Orwell, entre tantos outros. “Só
os Animais Salvam” é um mergulho poético dentro do coração desses animais
que foram os protagonistas de inimagináveis injustiças. Doce e amargo ao mesmo
tempo, como a vida tem que ser...
“O que significa
ser humano? Talvez só os animais saibam.” (Boria Sax – Página 167)
Cada
um dos contos nos mostra que há bem mais do que as palavras deixam
transparecer. Nunca tinha lido nada de Ceridwen Dovey e a escrita dela me
fascinou, já que ao mesmo tempo em que descreve a pureza e a nobreza dos
sentimentos desses animais, nos mostra que o ser humano, o “animal racional”, é
de longe o mais cruel e primitivo deles.
“Após a primeira
fagulha de criação, todos somos deixados sem lar, cada criatura sobre a terra.”
(Página 144)
Este livro me fez questionar a “racionalidade” humana. Por
que somos tão diferentes dos animais? (ou pelo menos nos julgamos tão
superiores?). Lendo qualquer relato de alguma guerra – e olha que não precisa
ser a Primeira ou a Segunda Guerra Mundial – fica claro que a ganância humana e
a capacidade de sobrepor quaisquer obstáculos, sejam eles pessoas ou animais, que
corrompe aos poucos a nossa própria alma e faz com que regridamos para tempos
primitivos e inóspitos, onde situações e sentimentos extremos, como a fome e o medo,
despertam o pior dentro de nós.
Os contos que mais me chocaram e emocionaram foram “Alma de Chimpanzé”,
“Alma de Tartaruga”, “Alma de Elefante”, “Alma de Urso” e “Alma de Papagaio” –
que encerra o livro com um soco na cara. Todos os contos apresentam suas
peculiaridades que os torna distintos e especiais a sua própria maneira. Porém,
o que entra em consenso é a delicadeza e a o sabor amargo que fica na boca, ao
final de cada conto.
“Você está no
caminho certo. Tenho que concordar com essa sua história de espontaneidade,
viver improvisando, inventando os passos conforme anda. É a única forma de
suportar esta vida imunda, de transformá-la em algo radiante. Você vai chegar
lá, se sobreviver. Mas não há virtude alguma em correr na direção da morte,
lembre-se disso.” (Página 105)
A
mensagem que fica ao fim de “Só os
Animais Salvam” é que precisamos parar de olhar para nós mesmos como o
centro do universo, e devemos prestar atenção ao que está a nossa volta. Temos
que criar consciência e “amadurecer” para olharmos para os pedaços que são
deixados para trás após períodos de completo desespero e prometer a nós mesmos
que isso não voltará a acontecer. Porque parece que temos uma tendência a
esquecer experiências negativas, ou pelo menos trancar estas memórias no canto
mais escuro de nossa mente, assim que um raio de sol aparece por trás de nuvens
cinzentas, ao invés de aprender com os nossos erros.
“As almas no
firmamento vivem somente enquanto lembrarmos suas histórias. Além desse ponto
não há nada, nem para elas, nem para nós.” (Página 154)
Autora: Ceridwen Dovey
Editora: Darksidebooks
Número de páginas: 240
Skoob: Adicione a sua estante
Classificação: ★★★★★♥/✰✰✰✰✰
Nenhum comentário:
Postar um comentário