sábado, 3 de junho de 2017

[Resenha] Só os Animais Salvam

“[...] os humanos [...] parecem acreditar que o que os separa dos outros animais é sua habilidade de amar, sofrer, sentir culpa, pensar abstratamente et cetera. Estão enganados. O que os separa é seu talento para o masoquismo. É aí que reside seu poder. Ter prazer na dor, tirar forças na privação, isso é ser humano.” (Página 53)


Comecei a ler esse livro sem saber o que esperar. Achava que seria um DarkLove fofinho sobre o poder do amor dos animais e como eles são especiais na vida dos humanos. , sério... Quem poderia me culpar com uma capa dessas?

“Um sábio amigo certa vez me disse que a bondade, assim como a crueldade, pode ser uma expressão de dominação.” (Página 86)

Vamos começar com um ponto que não é spoiler – e já vamos preparando o seu coraçãozinho – uma vez que o sumário apresenta essa informação: todos os animais dos contos serão mortos. Sim eu sei, a vida é dura e dói.

Outra utilidade pública: neste livro há uma mensagem muito mais sensível, delicada e ao mesmo tempo cruel, por detrás de cada um dos contos. A sutileza e a capacidade de chocar desse livro torna praticamente impossível largá-lo, ao mesmo tempo que ao final de cada conto você tem que respirar fundo e secar o suor dos olhos – se é que vocês me entendem...


“Só os Animais Salvam” é o segundo livro da autora sul africana, Ceridwen Dovey e nele são apresentadas 10 fábulas sobre as almas de 10 animais que foram pegos no fogo cruzado das incontáveis guerras humanas (desde a Primeira Guerra Mundial até a Guerra Civil de Moçambique). E em meio a toda a dor e sofrimento, encontraram inspiração e esperança na centelha de amor pelos humanos, assim como por sua mais significativa arte que transcende eras: a literatura.

“Você pode se enganar a vida inteira, pensando não estar sozinho, mas saberá – saberá muito claramente – quando estiver em sofrimento, à beira da morte. E se a uma pessoa não é permitido, em momento de solidão, desenvolver os muitos recursos de sua própria mente (intelectual, criativo, emocional, espiritual) para que possa se reerguer por si, oferecer boa companhia a si mesma, experimentará a desolação profunda de se ver alienada até do melhor de si. Nada pode ser mais desolador.” (Página 121)

Com narrativas que nos levam ao encontro de pessoas muito ligadas a literatura – e que muitas vezes serviram de pilar para o que conhecemos hoje – como: Celine Collete, Sylvia Plath, Alexandra Tolstaya (filha de ninguém menos que Liev Tolstói), Franz Kafka, George Orwell, entre tantos outros. “Só os Animais Salvam” é um mergulho poético dentro do coração desses animais que foram os protagonistas de inimagináveis injustiças. Doce e amargo ao mesmo tempo, como a vida tem que ser...

“O que significa ser humano? Talvez só os animais saibam.” (Boria Sax – Página 167)


Cada um dos contos nos mostra que há bem mais do que as palavras deixam transparecer. Nunca tinha lido nada de Ceridwen Dovey e a escrita dela me fascinou, já que ao mesmo tempo em que descreve a pureza e a nobreza dos sentimentos desses animais, nos mostra que o ser humano, o “animal racional”, é de longe o mais cruel e primitivo deles.

“Após a primeira fagulha de criação, todos somos deixados sem lar, cada criatura sobre a terra.” (Página 144)

Este livro me fez questionar a “racionalidade” humana. Por que somos tão diferentes dos animais? (ou pelo menos nos julgamos tão superiores?). Lendo qualquer relato de alguma guerra – e olha que não precisa ser a Primeira ou a Segunda Guerra Mundial – fica claro que a ganância humana e a capacidade de sobrepor quaisquer obstáculos, sejam eles pessoas ou animais, que corrompe aos poucos a nossa própria alma e faz com que regridamos para tempos primitivos e inóspitos, onde situações e sentimentos extremos, como a fome e o medo, despertam o pior dentro de nós.

Os contos que mais me chocaram e emocionaram foram “Alma de Chimpanzé”, “Alma de Tartaruga”, “Alma de Elefante”, “Alma de Urso” e “Alma de Papagaio” – que encerra o livro com um soco na cara. Todos os contos apresentam suas peculiaridades que os torna distintos e especiais a sua própria maneira. Porém, o que entra em consenso é a delicadeza e a o sabor amargo que fica na boca, ao final de cada conto.


“Você está no caminho certo. Tenho que concordar com essa sua história de espontaneidade, viver improvisando, inventando os passos conforme anda. É a única forma de suportar esta vida imunda, de transformá-la em algo radiante. Você vai chegar lá, se sobreviver. Mas não há virtude alguma em correr na direção da morte, lembre-se disso.” (Página 105)

A mensagem que fica ao fim de “Só os Animais Salvam” é que precisamos parar de olhar para nós mesmos como o centro do universo, e devemos prestar atenção ao que está a nossa volta. Temos que criar consciência e “amadurecer” para olharmos para os pedaços que são deixados para trás após períodos de completo desespero e prometer a nós mesmos que isso não voltará a acontecer. Porque parece que temos uma tendência a esquecer experiências negativas, ou pelo menos trancar estas memórias no canto mais escuro de nossa mente, assim que um raio de sol aparece por trás de nuvens cinzentas, ao invés de aprender com os nossos erros.

“As almas no firmamento vivem somente enquanto lembrarmos suas histórias. Além desse ponto não há nada, nem para elas, nem para nós.” (Página 154)


Autora: Ceridwen Dovey
Editora: Darksidebooks
Número de páginas: 240 
Classificação: ★★★★♥/✰✰✰✰✰

*Livro cedido gentilmente pela editora! <3*

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