quarta-feira, 13 de setembro de 2017

[Resenha] Mar Despedaçado #1: Meio Rei

“A carne pode esquecer, mas o aço nunca esquece.” (Página 205)


Sabe quando você está prestes a se tornar aquilo para o que você treinou a vida inteira mesmo contra sua vontade e seu pai e seu irmão morrem do nada fazendo com que você seja o próximo na sucessão do trono do reino que a sua família domina? Então, essa é a premissa inicial do livro “Meio Rei”, do britânico Joe Abercrombie. Acredite, eu não te dei spoiler: isso acontece nas primeiras páginas do livro e acaba refletindo o tom da obra como um todo.
“Mas por que meio Rei?” Yarvi nasceu com uma deformidade em sua mão esquerda é graças a isso ele é considerado meio homem. Por causa dessa “limitação”, ele nunca conseguiu lutar corretamente. O que lhe rendeu o título de ovelha negra da família.


Porém, desde a tenra idade Yarvi já sabia qu jamais seguiria os passos do pai, por isso ele abdica do seu direito ao trono e decide treinar para se tornar ministro. O que nunca chega a acontecer, já que seu irmão mais velho e seu pai são assassinados as vésperas do teste do ministério, fazendo com que Yarvi seja obrigado - percebem um padrão aqui? - a assumir o trono, mesmo contra a sua vontade, mesmo não sendo “apto”, mesmo ninguém botando fé em sua capacidade em governar.
A capa do livro é muito eficiente em passar a mensagem central deste primeiro volume. Yarvi é um protagonista que está sempre tendo que lidar com o descrédito e a falta de fé que sua deficiência física acarretam. Em uma sociedade onde as capacidades físicas de um homem são a medida de seu valor, nosso protagonista é forçado a liderar através da inteligência, e não da força, e a sombra que aparece por trás dele na capa deixa bem evidente o peso que o rapaz carrega, o espectro de um “homem completo” pesando sobre seus ombros. A sombra da pessoa que ele poderia ter sido, não fosse seu fardo. Neste contexto, Yarvi acaba sendo um protagonista profundamente carismático, justamente por não ser o grande herói infalível que todos esperam que ele seja. Ele deve usar de outros meios, não a força bruta, para atingir seus objetivos.
Além do protagonista, os personagens coadjuvantes também oferecem perspectivas interessantíssimas sobre o universo e contribuem para a construção de uma trama que se movimenta do começo ao fim do livro, tanto no palco principal quanto nos bastidores. “Meio Rei” é um livro onde não há personagens circulares: todos possuem um arco de desenvolvimento imprevisível e satisfatório, algo que fará com que o leitor devore a obra em busca da próxima grande reviravolta. Só pra se ter uma ideia, a trama do livro costuma ser comparada à “Crônicas de Gelo e Fogo”, ou seja, podemos esperar a surpresa (por mais paradoxal que isso possa parecer!).


“Yarvi percebeu que a Morte não faz reverência para cada pessoa que passa por ela, não estende o braço respeitosamente para mostrar o caminho, não diz palavras profundas nem destranca cadeados. A chave em seu peito nunca é necessária, porque a Última Porta está sempre aberta, não importando o status, a fama ou as virtudes. Há uma fila interminável para passar. Uma procissão cega, inexaurível.” (Página 240)
A jornada que Yarvi percorre só confirma o que já havíamos notado sobre a sua personalidade: ele é alguém de fibra, que nunca foi levado a sério. Ele tinha potencial para ser quem quisesse, só precisava de um pouco de confiança. A velha história de que o material já estava lá, ele só precisava ser lapidado, ou no caso precisava amadurecer, para brilhar.
Ao contrário de Jorg Ancrath o eterno anti-herói filho da puta – se você não sabe de quem eu estou falando, tem resenha de “Prince of Thorns” -  Yarvi escolhe trilhar um caminho baseado na honestidade e na confiança depositada em seus parceiros. Ele quer justiça, e acima de tudo ele quer cumprir a promessa que fez e vingar seu pai e irmão.


“Eu fiz um juramento de me vingar dos assassinos do meu pai. Posso até ser meio homem, mas fiz um juramento por inteiro.” (Página 271)
O que será que falta para esse livro ser perfeito? Se você respondeu representatividade feminina, acertou. Aqui temos apenas duas personagens femininas, porém ambas são extremamente empoderadas e marcantes. Seja por suas habilidades (totalmente cabíveis e não deus ex-machina), feminilidade (estou ouvindo um coro de aleluia pela ausência da masculinização?) ou personalidade, elas fazem bonito em mostrar que ninguém poderá calar suas vozes e que ambas são tão capazes como qualquer homem.
Este livro apresenta uma premissa que aparece constantemente em livros do gênero, mas Joe Abercrombie executa tão bem suas ideias, não deixando pontas soltas ou utilizando métodos narrativos clichês, e escalando o ritmo do livro de maneira extremamente envolvente, que é impossível não se surpreender e se apaixonar por “Meio Rei”.
Mais importante ainda é levarmos a mensagem central do livro conosco, de que a força de alguém não é apenas definida pela capacidade de brandir uma espada. Existem inúmeras outras maneiras de se ser forte e excepcional, basta apenas que você nunca desista dos seus objetivos e que você saia da inércia, fazendo com que o gatilho certo seja disparado.

Autor: Joe Abercrombie
Editora: Arqueiro
Número de páginas: 288
Classificação: ★★★★★/✰✰✰✰✰


*Livro cedido em parceria pela editora*

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