quarta-feira, 11 de outubro de 2017

{Outubro Trevoso} [Resenha] Raw


“Raw” é um filme francês de 2016, estréia da diretora francesa Julia Ducournau, em que uma garota vegetariana, superprotegida. Isolada de qualquer contato social comum graças a um trauma por parte de sua mãe. Juliet vai para a faculdade de medicina veterinária, por sinal a mesma faculdade que formou sua família, e abre as portas (escancara, na verdade) para a fase adulta onde, como se não bastassem as bizarrices habituais do processo de amadurecimento, ela é obrigada a passar por uma das piores experiências de trote de todos os tempos e comer um pedaço de carne misterioso (será carne de coelho ou gaivota? *PAM PAM PAAAAAM!*)

Descobri esse filme ao ler uma lista de filmes com cenas difíceis de assistir e posso garantir que ele mereceu seu lugar. Desde cenas do cotidiano, que são extremamente constrangedoras de assistir em primeira mão, a cenas de canibalismo, “Raw” faz uma crítica ao modo que amadurecemos. Por que será que temos certos rituais vistos como tabu? Qual é o problema de conversar e experimentar sua própria sexualidade?


Nos é imposto pela sociedade que precisamos passar por certos rituais que nos tornarão quem somos, inclusive, na maior parte das vezes, estes rituais incluem coisas das quais nos arrependemos mas que são supostamente necessárias para que pertençamos a um grupo ou para que possamos dar o check na lista de “coisas estúpidas que eu fiz na vida mas que precisava fazer para ser respeitada por meus pares.

É extremamente difícil amadurecer, seja pela árdua jornada de autodescobrimento a ser trilhada ou pela perda da inocência, em que passamos a ver as pessoas que idolatrávamos como seres humanos repletos de falhas, ou até pelo fim da ilusão do que a tão sonhada “liberdade” e “independência” nos forneceria. Se já é difícil amadurecer em um cenário “controlado”, adicione canibalismo a equação e as coisas tomam uma nova proporção - pobre Juju.

Juju, a protagonista, é uma garota comum, reclusa, sem graça e extremamente chata, que descobre a vida adulta de uma forma completamente atípica. Ela passou a sua vida trancada em casa, sem realmente ter se descoberto como pessoa e mulher. Por conta disso, quando ela tem um momento de liberdade - por mais que a irmã mais velha seja sua veterana - ela agarra essa oportunidade e tenta se encaixar dentre os outros estudantes mesmo contra sua vontade.


“Raw” vai muito além do terror gráfico (o bom e velho gore) e mexe com a nossa cabeça em um nível de desgraçamento semelhante ao presente em “A Bruxa” de Robert Eggers (2015). Filmes assim fazem com que entramos na pele dos personagens e sintamos a sua completa falta de esperança. Começa aquele momento clássico do fundo do poço, em que você fica parada, olhando para o nada, sem saber o que fazer com os cacos dispostos aos seus pés que se tornou a sua “vida”. Sem esperança, em um momento de escuridão total - e falando em obras assim, se você quiser desgraçar sua vida é só ler a resenha de “Escuridão Total Sem Estrelas”, se animar, ler o livro e morrer, quero dizer, ler outro livro… ha ha ha.

Estes filmes perturbam nosso psicológico e é justamente a antecipação do horror o que realmente atinge nossa mente. Claro, cenas bizarras são inquietantes e ajudam a aumentar a experiência. Afinal de contas ninguém quer ver uma adolescente depilando os pelos pubianos da irmã caçula, ou mesmo os ditos pelos. Uma dica é não se iludir em achar que cada momento não está lá por uma razão.

Podemos interpretar este filme de duas maneiras: a primeira é literal, um filme sobre canibalismo e a confusão do momento em que você não se encaixa nem em adolescente nem em adulto, em que você está naquele maravilhoso período de transição.


A outra é mais sutil, é sobre a forma que enxergamos as pessoas ao nosso redor e como isso influencia no desenvolvimento do nosso próprio caráter. Juju passa a enxergar os sinais que ela considerava alienígenas nela mesma, o que lhe causa estranhamento, revolta, gozo, tristeza, tudo ao mesmo tempo. O desconhecido, no caso a maturidade, se torna cada vez mais natural a partir do momento em que você sente o click e aceita que você está se tornando o alienígena, quer você queira ou não.

“Raw” é um filme perturbador, seja pelo seu tom geral ou pelo final arrebatador e completamente inesperado. Se você prefere filmes de terror mais “habituais”, que buscam o susto e o medo momentâneo, aconselho  que você não se iluda com esse filme: trata-se de uma obra reflexiva e muito mais dada a sutilezas e incômodos provenientes da ansiedade do que a Jump Scares. Agora, se você busca um terror perturbador, em certa escala real e extremamente gráfico, “Raw” está na medida certa do bizarro e grotesco {acho que bizarro e grotesco são sinônimos, não?}, assombrando a sua mente e fazendo com que você tente entender a motivação de seus personagens deturpados. Bom filme.

Diretora: Julia Ducornau
Ano: 2016
Duração: 99 minutos
Classificação: ★★★★/✰✰✰✰✰

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