terça-feira, 25 de outubro de 2016

[Especial + Resenha] O que é um Psicopata + Fábrica de Vespas!

Título: Fábrica de Vespas

Título original: The Wasp Factory

Autor: Iain M. Banks

Editora: Darkside books

Número de páginas: 240


Sinopse: Frank – um garoto de 16 anos bastante incomum – vive com seu pai em um vilarejo afastado, em uma ilha escocesa. A vida deles, para dizer o mínimo, não é nada convencional. A mãe de Frank os abandonou anos atrás; Eric, seu irmão mais velho, está confinado em um hospital psiquiátrico; e seu pai é um excêntrico sem tamanho. Para aliviar suas angústias e frustrações, Frank começa a praticar estranhos atos de violência, criando bizarros rituais diários onde encontra algum alívio e consolo. Suas únicas tentativas de contato com o mundo exterior são Jamie, seu amigo anão, com quem bebe no pub local, e os animais que persegue ao redor da ilha. Quando descobre que Eric fugiu do hospital, Frank tem que preparar o terreno para o inevitável retorno de seu irmão – um acontecimento que implode os mistérios do passado e vai mudar a vida de Frank por completo.

Defina o livro com uma frase: E eu achando que a minha família era problemática...


Que tal darmos uma volta pela mente de um psicopata em formação? Mas antes disso, o que é um psicopata? De onde eles vem, o que comem, como vivem? Originalmente a doença era conhecida como “Síndrome do Transtorno de Personalidade Antissocial” (TPA), porém não era muito conhecida, foi somente na década de 40 que ganhou uma nova “nomenclatura” e se tornou popularizada.

Nota: Cena do filme "Psicose" (1960).

Um psiquiatra americano, chamado Hervey M. Cleckley, escreveu um livro intitulado “A Máscara da Sanidade” em 1941, e este trabalho serviu de marco fundamental para a definição e conceito, assim como a popularização, da palavra psicopatia. Nesta obra, o autor definiu um quadro consistente de comportamentos e traços de personalidade específicos que podem servir para indicar um quadro de psicopatia. Segundo ele, essas pessoas apresentam:

1.Carisma superficial e boa “inteligência”;
2.Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional;
3.Ausência de manifestações psiconeuróticas;
4.Desonestidade;
5.Mentira e insinceridade;
6.Falha de remorso ou culpa;
7.Comportamento antissocial sem motivo adequado;
8.Juízo pobre, dificuldade em aprender com a experiência;
9.Egocentrismo patológico e incapacidade de amar;
10.Pobreza generalizada em reações afetivas maiores;
11.Déficit específico de insight;
12.Irresponsabilidade generalizada em relações interpessoais;
13.Comportamento fantasioso e desagradável sob o efeito de álcool (às vezes sem);
14.Rara ocorrência de suicídio;
15.Vida sexual superficial, trivial e fracamente integrada;
16. Fracasso em seguir um projeto de vida. 

Você se identificou com algum desses sinais? Fique tranquilo ou não, pois segundo Cleckley psicopatas apresentam comportamento consistente com três ou mais dessas características. Que tal uma consulta com um psiquiatra?

Nota: Cena do filme "O Iluminado" (1980).

Psicopatas, de um modo geral e resumido, são pessoas agradáveis, simpáticas, que causam boa impressão e que escondem o demônio por debaixo da máscara socialmente aceitável. Como eles tem problemas em se relacionar mais profundamente com as pessoas, ninguém conhece o seu real lado: frio, calculista, egocêntrico, desonesto, insensível, sádico (em alguns casos) e principalmente sem nenhum tipo de remorso. 

Por não sentirem as emoções como a maioria das pessoas, os tipos violentos não costumam sentir prazer em atividades comuns, apenas quando atrelado ao sofrimento alheio. Não é de se surpreender que, nos Estados Unidos, cerca de 25% dos presos se encaixem em quadros de psicopatia (levando em conta que a definiçao de psicopata é meio subjetiva, me parece conveniente dizer isso), já que estas pessoas não apresentam nenhum tipo de “filtro” para frear impulsos, sejam eles quais forem, algo que favoreceria uma viajem ao xilindró.

Quantas dessas pessoas devem estar livres? Você conhece quem são as pessoas ao seu redor? Aquele seu vizinho simpático e sorridente, será que ele não imagina sua cabeça sendo aberta devido às inúmeras vezes que ela foi acertada por um martelo enquanto você abre a porta para emprestar uma xícara de açúcar? Ou que tal aquele seu chefe maravilhoso, bem sucedido, simpático e que não dispensa uma boa música. Será que alguém sabe o que ele faz por detrás das portas fechadas? (Oi Patrick Bateman!)

Nota: Cena do filme "American Psycho" (2000).

Uma pergunta: por que eu só usei adjetivos masculinos? Porque a psicopatia acomete, na maioria dos casos, homens. Menos da metade dos casos diagnosticados estão relacionados ao sexo feminino... Por quê? Ninguém faz a menor ideia, vamos botar a culpa na genética, como sempre...

Falando em diagnóstico, ele existe? Como é feito? O método mais utilizado para diagnosticar a psicopatia é o teste PCL-R (“Psychopathy Checklist-Revised" – obrigada Robert Hare!), este teste nada mais é do que uma entrevista padronizada com os pacientes e o levantamento do seu histórico pessoal (inclusive antecedentes criminais, nós sabemos bem como isso é importante...). O teste revela três grandes grupos de características que geralmente aparecem relacionados, mas que podem ser analisados separadamente, estes são: deficiência de caráter, ausência de culpa ou empatia e comportamentos impulsivos ou criminosos (a lista é bem grande, mas vocês já devem ter uma ideia).
Nota: Cena do filme "O Massacre da Serra Elétrica" (1974).

Bom... Se existe um diagnóstico será que existe tratamento? Se a síndrome for descoberta durante uma fase precoce, talvez existam alguns progressos, porém é bem difícil diferenciar uma criança com problemas de comportamento de uma com TPA. O tratamento consiste na tentativa de mudança do comportamento da criança por meio de uma terapia corretiva à base do contato social, que visa “abrir os olhos” da criança, fazendo com que ela entenda que o que ela considera normal, na realidade passa beeeeeem longe disso. Essa terapia poderá ajudar a criança a respeitar regras sociais e previnir atos criminosos. Além da terapia, há administração de tranquilizantes para reduzir a agressividade e a extroversão instável da criança )coisa que não aconteceu com Frank).

E se for em uma fase adulta? Queridinho, pode dizer adeus que o estrago já foi feito. Se é difícil fazer com que uma criança mude seus “hábitos” imagine um adulto que viveu a vida inteira aperfeiçoando essa personalidade digamos, um tanto quanto marcante.

Porém, qual é o conceito de sanidade? Algúem que tem uma memória funcional, pensa com clareza, mantém uma boa aparência, reconhece o espaço ao seu redor, é capaz de viver em sociedade e interagir com as pessoas? Me parece que esses conceitos precisam ser revisados, não é mesmo?


Chega de aula por hoje crianças, vamos direto ao que interessa: “Fábrica de Vespas” foi o romance de estréia de Iain M . Banks, publicado originalmente em 1984.

O livro conta com um prefácio, escrito pelo próprio autor onde ele conta que, inicialmente era um autor de ficção científica, porém após anos sem conseguir publicar suas obras, acabou tendo que sair de sua “zona de conforto” e escrever um romance “comum, ordinário e chato”. Este romance, auto intitulado pelo próprio autor como chato é o presente livro. Agora você pode estar se perguntando: “Como alguém acha que eu iria me interessar por um livro que o próprio autor rotula como comum, ordinário e chato?” 

“A ideia é que Frank represente a todos nós, em certos sentidos; enganado, iludido, saudoso de algo que nunca existiu, vingativo sem nenhum bom motivo e tentando com muito esforço viver por algum ideal exagerado que, na verdade, não tem qualquer relevância real.” (página 14)

A resposta para essa pergunta é que você pode tirar uma pessoa da ficção científica mas não pode tirar a ficção científica dessa pessoa. Banks escreveu um romance denso sobre um adolescente excêntrico de 16 anos que vive em uma ilha isolada na escócia, essa ilha é tão escondida do mundo que é comparada a um planeta de uma galáxia distante e inexplorada, já Frank, o protagonista, por ser tão estranho, imprevisível e violento pode ser visto como um alienígena. Então meus caros, Banks fez nada mais, nada menos do que mascarar a ficção científica em um romance gráfico e visceral, não recomendado para pessoas com estômago fraco.

O livro é narrado em primeira pessoa por Frank, um jovem que vive isolado de tudo e de todos, o único contato real – se é que podemos chamar esse “relacionamento” de contato real – é com seu pai, um homem frio e peculiar (como eu disse antes, é tudo culpa da maldita genética), mas não pensem que a família fucked up acaba por ai, a mãe de Frank é uma mulher do “mundo” – vamos traduzir para filha da puta – tendo o abandonado praticamente recém-nascido, e seu irmão mais velho Eric, que podia ser o elo que salvava a família está aproveitando sua estadia, forçada, em um hospital psiquiátrico – que família linda...


“Uma morte é sempre excitante, sempre faz com que você perceba quão vivo e vulnerável está, mas quão sortudo é.” (página 59)

Frank é uma pessoa fria, metódica, machista, antissocial, sem sentimentos ou escrúpulos, cruel, que não apresenta nenhum tipo de remorso por nenhuma de suas ações (epaaa essas características me parecem um tanto quanto familiares...) e que passa todo o seu tempo na ilha. O que será que ele poderia fazer para se distrair e aliviar suas enormes “frustrações”? Se você respondeu tortura de pequenos animais – principalmente coelhos – e a elaboração de armadilhas e cacarecos bizarros (na falta de um melhor nome para estacas com cabeças de animais mortos) você acertou! Como se tudo isso ainda não bastasse Frank segue as “instruções” de seu oráculo, A Fábrica de Vespas, e ainda confessa que matou 3 pessoas quando ele mesmo ainda era apenas uma criança... Uau Frank, sério mesmo?

“Esse é o placar até agora. Três. Não mato ninguém há anos, e não pretendo fazer isso de novo. Foi só uma fase pela qual passei.” (página 60)

Frank tenta “justificar” a maioria de seus atos violentos e sem sentido, com o fato de a vida ter sido extremamente cruel com ele, quando ele era apenas uma criança “indefesa” (há controvérsias). Fica complicado tentar justificar um erro com outro maior ainda, você não acha Frank? 

Ele tem um temperamento explosivo, porém se comporta como uma pessoa completamente normal quando interage com a única pessoa que ele mantém algum tipo de relação fora da família, Jamie, seu único amigo – e por interagir eu quero dizer sustentar um vício super saudável ao álcool.

Por ser narrado em primeira pessoa por Frank, tudo o que sabemos é o que ele escolhe nos contar. Essa narrativa descreverá a rotina metódica de Frank e também te levará até pontos no passado, tentando esclarecer o que aconteceu para ferrar tanto a cabeça dele e o transformar nessa desgraça que ele é – será que essas perguntas serão respondidas? 

“Nossas vidas são símbolos. Tudo que fazemos é parte de um padrão que, pelo menos em parte, decidimos. O forte cria o seu próprio padrão e influencia o de outras pessoas, o fraco tem seus caminhos traçados por alguém. O fraco, e o azarado, e o idiota.” (página 154)

Como se Frank já não fosse suficientemente complexo, ainda temos Eric, que logo no começo do livro foge do hospital psiquiátrico. Tanto Frank quanto seu pai sabem que ele voltará à ilha, e esse encontro é antecipado ao decorrer de toda a narrativa – ainda mais com algumas revelações que são feitas ao decorrer do livro do motivo que fez com que Eric, um jovem tão promissor, surtasse – e faz com que se instale um clima de tensão. 

Quando a merda é jogada no ventilador, ele está na velocidade máxima e espirra para tudo quanto é lado. Achei o livro sensacional, a narrativa me prendeu demais, não conseguia parar de ler até descobrir o que aconteceu e o que iria acontecer. Porém por mais “tapa na cara” que tenha sido o final, eu ainda esperava por mais alguma coisa, para mim, o livro se fechou no meio de um mini cliffhanger, ainda mais com o que estava acontecendo com o Eric. Pera ai... Pensando bem agora, o choque do final foi uma maneira sensacional de terminar esse livro, acho que no final das contas a intenção do autor foi simplesmente chocar o leitor e isso sem sombra de dúvidas foi entregue. Quando finalmente descobrimos o que diabos estava acontecendo com Frank e o motivo de ele ser tão psicótico (com aquele alô da genética, não vamos nos esquecer disso), tudo faz aquele click na cabeça e faz “sentido”.

“Bem, é sempre mais fácil ter sucesso na morte.” (página 233)

Não comecei a ler livros mais “pesados” ontem mas esse livro em especial foi bem forte, Banks consegue descrever as ações de Frank com uma riqueza de detalhes que eu via a cena se desenrolando bem na minha frente.

De um modo geral, foi uma leitura muito gostosa. Espera... Posso chamar um livro tão perturbador disso? Bom, a narrativa flui com muita facilidade e era tão instigante que virei a noite lendo e quando finalmente acabei, fiquei sem sono nenhum. Obrigada Sr. Banks! <3

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