quarta-feira, 14 de junho de 2017

[Resenha] Ciclo Terramar #1: O Feiticeiro de Terramar

“Somente no silêncio a palavra, somente nas trevas a luz, somente na morte a vida: o voo do falcão brilha no céu vazio.” (Página 11)


Palavras. Tudo o que é dito tem poder, isto se você sabe o nome real das coisas.

Ursula K. Le Guin, como diz no próprio posfácio deste livro. Escreveu um livro de fantasia para adolescentes, o famigerado YA. Só que ela não usou os moldes dos YAs da atualidade, ainda mais por ter escrito este livro em 1968, onde as referências em fantasia eram Tolkien e T.H. White (Já ouviram falar de Gandalf e Merlin?). Estas referências incluíam a segregação, principalmente racial e de gênero (alô meu povo, estamos em 2017 e ainda temos muito disso na literatura - estamos caminhando para o progresso!). Por isso, Ursula resolveu mandar todo mundo a merda, com muita classe, e escrever um livro com pessoas de outras etnias. Vale ressaltar que a época que este livro foi escrito, 1968, foi o auge do conflito por direitos civis nos Estados Unidos. Não podemos esquecer: Martin Luther King Jr. foi assassinado no mesmo ano. Ninguém é obrigado a tomar parte em movimentos sociais, mas esse tipo de contribuição é muito importante, ainda mais para um gênero literário que carece, até hoje, de algo tão presente para no mundo em que vivemos: diversidade.

Claro, na época isso deve ter sido bem difícil e teve que ser feito com extrema sutileza. Ainda mais por Ursula ser uma mulher – por sinal, a primeira autora de ficção científica a fazer sucesso em um mundo dominado por homens. Para resumir a história ela deu dois tiros: o primeiro foi inovar a fantasia de uma maneira simples, porém que funciona perfeitamente. E a segunda foi criar um mundo com diversidade.


“Um mago pode controlar somente o que está próximo a ele, o que ele pode nomear plena e exatamente. E isso é bom. Se não fosse assim, a maldade do poderoso ou a loucura do sábio há muito teriam feito de tudo para modificar o que não pode ser modificado, e o equilíbrio se romperia.” (Página 52)

Ela cria um protagonista negro que é descrito com tamanha sutileza, que muitas pessoas só foram perceber que ele era negro lendo o posfácio. Porém, não é só a descrição dos personagens que é feita com sutileza e maestria. Ursula K. Le Guin cria um sistema de magia simples, onde tudo está em equilíbrio. Se você altera o clima, para que chova, em algum lugar do outro lado do oceano uma terra passará por uma seca. Todas as magias são baseadas em conhecer o verdadeiro nome das coisas.

O ponto principal deste livro definitivamente é “ação e consequência”. E Ged apanha muito até descobrir que toda ação tem uma reação.

“Nunca lhe ocorreu que o perigo ronda o poder como a sombra persegue a luz? A feitiçaria não é um jogo que jogamos por diversão ou para receber elogios. Pense nisto: toda palavra, todo ato de nossa arte, é falada e é feita para o bem ou para o mal. Antes de você falar ou fazer, tem que saber o preço a pagar!” (Página 31)


No primeiro volume do “Ciclo Terramar”, “O Feiticeiro de Terramar”, conhecemos um garoto que vive em uma ilha remota e que se tornará o maior Feiticeiro de Terramar, Gavião. Porém, antes de se tornar esta pessoa, ele era um garoto que vivia em uma pequena ilha, que estava fadado a seguir os passos de seu pai e se tornar um ferreiro, ou cuidar das cabras, como metade da ilha.

“O Feiticeiro de Terramar” acompanha Ged, o nome por trás da lenda que é Gavião, por todo o árduo caminho do seu aprendizado e acima de tudo, sua jornada de autodescobrimento. Em um primeiro momento Ged é arrogante e cheio de si. Por ser dono de um grande poder ele acha que está acima de tudo e de todos, o que se revela sendo seu maior erro.

“Este foi o primeiro passo de Dunny no caminho que ele deveria seguir por toda a vida: o caminho da magia, o caminho que o conduzirá finalmente a perseguir uma sombra por terra e mar até as praias sombrias do reino da morte. Mas, naqueles primeiros passos, o caminho parecia uma estrada ampla e iluminada.” (Página 16)



Por ser tão poderoso, ele não teme o desconhecido. Munido de seu orgulho, ele se aventura em magias que estão muito além da sua compreensão, o que acaba por liberar um mal tão grande, que o levará em uma cruzada por mares solitários e ilhas abandonadas, em busca de redenção.

“Ele não via – ou não queria ver – que, em sua rivalidade, à qual ele se apegava e cultivava como parte do próprio orgulho, havia algo do perigo, da escuridão contra qual o Mestre Malabar suavemente lhe advertia.” (Página 50)

Talvez o começo desse livro possa ser um pouco confuso e demore um pouco a passar. Porém, vamos lembrar que estamos sendo introduzidos a um mundo e um sistema de magia completamente novos. Tenha paciência, que em menos de 20 páginas você já terá sido mordido pela escrita hipnotizante de Ursula Le Guin e não conseguirá mais largar este livro. O que é um problema, já que ao final você vai descobrir que 170 páginas passam rápido demais.

“Acender uma vela é lançar uma sombra...” (Página 49)


Se você busca um livro recheado de ação, sangue e grandes batalhas, “O Feiticeiro de Terramar” não é para você. No posfácio, Ursula explica como guerras são metáforas morais limitadas, limitantes e perigosas. Já que toda a trama do livro é dividida entre o confronto entre o bem e o mal (nós e eles), reduzindo a complexidade ética, fazendo com que apenas a violência seja a chave.

Tudo depende do ponto de vista, já que um ato “heróico”, visto pelo “outro lado”, pode ser considerado um ato de extrema violência e impiedade. A história é escrita sempre pelo lado dos vencedores, pelo lado de quem tem mais poder.

Ursula não quis escrever um livro em que a violência fosse o protagonista. Ela cria alguém que precisa descobrir quem ele próprio é e, acima de tudo, que precisa amadurecer.


Ela ainda ressalta que para que Ged venha a descobrir o homem que ele poderá ser (o grande Gavião), ele deverá antes olhar para dentro de si e conhecer quem é o seu verdadeiro inimigo e “isso exige busca e descoberta, não guerra”. 

“A descoberta lhe traz a vitória, só que não do tipo que é o fim de uma batalha, mas sim o começo de uma vida.” (Página 175)

Acho que o único ponto negativo foi com relação ao mapa. Nesta edição, publicada pela Editora Arqueiro, o centro do mapa fica bem no meio das páginas, e devido a dobra do livro, fica um pouco difícil de encontrar alguns lugares – ainda mais que metade da história se passa nas ilhas próximas a dobra do livro.

De um modo geral, eu recomendo este livro para qualquer pessoa. "Ah, mas eu nunca li fantasia, não sei se eu vou conseguir, dizem que é difícil..." Parabéns, você acaba de descobrir seu primeiro livro! "Ai, eu não gosto de fantasia..." Morra - leia este livro e mude de opinião. "Bla bla bla" Apenas leia este livro!


Autora: Ursula K. Le Guin
Editora: Arqueiro
Número de páginas: 176
Classificação: ★★★★♥/✰✰✰✰✰

*Livro cedido em parceria pela editora*

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